Estudei, durante três anos, numa escola pública, chamada “Escola E. Tiradentes”. Não foi nem uma e nem duas vezes que alguém brincou comigo, fazendo um trocadilho com o nome da escola: “E aí, lá o pessoal tira muito dente?”. Sempre levei de boa estas brincadeiras, e nunca me envergonhei de estudar numa escola com este nome. A razão? A história por trás dele, de um homem que foi capaz de morrer por aquilo que acreditava.
Todo dia 21 de abril, em nosso país, comemoramos o “Dia de Tiradentes”. É um feriado nacional. Tiradentes era como ficou conhecido Joaquim José da Silva Xavier, o mártir da Inconfidência Mineira. Ele ganhou este apelido justamente por causa de sua profissão de dentista. Mas não foi por causa desta profissão que ele ganhou destaque, e passou a ser lembrado todos os anos em nosso país. Tiradentes, “Tornou-se mártir porque lutou pela liberdade do Brasil do domínio português, principalmente do Estado de Minas Gerais, onde era feita a extração de ouro em grandes quantidades” (Jussara Barros).
Os portugueses se apossavam das matérias primas do Brasil para vender na Europa, e ainda faziam o povo brasileiro pagar altos impostos, ou seja, enriqueciam-se a custas da exploração do povo brasileiro. A Inconfidência Mineira foi uma luta em favor da libertação do Brasil da monarquia portuguesa. Quando este movimento foi descoberto pela coroa portuguesa os inconfidentes (infiéis) foram presos e Tiradentes assumiu a responsabilidade pelo movimento. Por causa disso, para inibir outras manifestações do tipo, no dia 21 de abril de 1792, os portugueses mataram Tiradentes publicamente, enforcado. Apesar de algumas vozes que a questionam, em linhas gerais, esta é a história oficial de Tiradentes.
Penso que não estou errado em dizer que Tiradentes, de acordo com esta história oficial, foi um revolucionário de sua época, capaz de morrer pelos ideais que abraçou. O revolucionário é a pessoa que deseja mudanças, que luta contra os padrões estabelecidos e assumidos como verdadeiros e corretos. Por causa de exemplos como o dele, a palavra revolucionário geralmente é ligada a questões políticas e de lutas de movimentos de esquerda contra o Estado. Mas podemos usar a palavra sem esta conotação.
Queria aproveitar o exemplo de Tiradentes para refletir sobre o cristianismo e seus valores revolucionários; pois para mim, os valores do reino de Deus são revolucionários. E não estou pensando em questões políticas, nem numa agenda esquerdista. Estou pensando, por exemplo, no sermão da montanha (Mt 5-7). Ali, temos a descrição da ética do reino de Deus. O sermão, pronunciado por Jesus, mostra como vive um cristão, um cidadão do reino de Deus. A lógica por trás do sermão contraria o que a sociedade prega como correto.
Este sermão nos ensina a não transformarmos o nosso semelhante em objetos do nosso desejo sexual (Mt 5:27-28). Ensina-nos sobre mortificação por causa da esperança do reino (5:29-30). Além disso, mostra o casamento como algo muito sério e a ser mantido (5:31-32); mostra que devemos dar a outra face, isto é, não responder agressão com agressão (5:39); mostra que devemos amar os nossos inimigos e orar por aqueles que nos perseguem (5:44). Enfim, poderíamos alistar outros ensinos, mas só estes valores já servem para observarmos o quanto as exigências presentes no sermão da montanha vão contra aquilo que é senso comum; vão contra aquilo que é considerado comportamento correto e normal.
Os valores do sermão da montanha são valores revolucionários! É impossível que uma pessoa que vive assim não seja vista e reconhecida como diferente (Mt 5:13-14). Mas quem está disposto a levar a sério este sermão? Quem está disposto a enfrentar perseguição e afrontas por causa destes valores? Esta é justiça do reino, que devemos buscar como prioridade (Mt 6:33). Jesus disse que seus discípulos seriam perseguidos por causa dela (Mt 5:10), e que estes deveriam se alegrar quando isso acontecesse (5:11). Não parece ilógico? É por isso que são valores revolucionários.
Assim como Tiradentes, que morreu por acreditar e defender seus ideais, os profetas foram perseguidos por causa dos valores do reino, e muitos deles foram mortos. Vários discípulos de Jesus, de igual forma, terminaram a carreira como mártir por pregar o evangelho e viver os seus valores; por causa do compromisso que assumiram com Jesus. Porque hoje não queremos sofrer afronta por causa da fé? Porque hoje adotamos o discurso do politicamente correto? Porque hoje temos visto florescer um cristianismo sem graça, sem sal e sem açúcar? Será que é por falta de valores revolucionários? Acho que não. O problema é a falta de convicção para viver estes valores. Estou dizendo que é fácil praticá-los? Longe de mim! Não concordo que o seja, por causa da nossa natureza pecaminosa. Erramos e erramos muito! Mas como crentes em Jesus, redimidos, sendo habitamos pelo Espírito Santo, estaríamos ao menos dispostos a nos empenhar em tentar fazer isso, isto é, a vivenciar os valores do evangelho como Jesus ensinou, sem o medo de sermos taxados como antiquados ou moralistas de plantão? Foi Jesus quem disse: Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, a perderá; mas quem perder a sua vida por minha causa e pelo evangelho a salvará (Mc 8:34-35).
Tem misericórdia de nós Senhor Jesus!